RELICÁRIO - PUBLICAÇÕES

Do leite à peçonha

Fico cada dia mais desapontada com a sociedade que nos toma. A negligência e a ganância são características recorrentes na personalidade dos cidadãos comuns. Há muito tempo que a concorrência deixou de ser uma competição saudável e abriu espaço há uma tortuosa e desonesta batalha de egos e poder. Pouco importa quem está do outro lado, pouco importa quem consome os resultados desta guerra. Um veneno letal penetrou nas entranhas de uma grande parcela do corpo social individualista contemporâneo: a indiferença. Não se sabe ao certo o fator que desencadeou esse corrompimento, mas é fato que algo está muito errado.

Me pergunto como será a punição de quem gananciosamente pisa em seres humanos, destrói famílias, acaba com um montante de sonhos? Me pergunto como devo agir e reagir ao acordar todos os dias e ver nos jornais verdades horrendas sobre atitudes monstruosas? Me pergunto que valores irei passar aos meus filhos em uma sociedade corrupta? Como mostrar a eles o lado bom da vida sem aliená-los? Fica difícil.

Quantos alimentos da nossa mesa estão adulterados? Quantos estabelecimentos estão impróprios para uso? Quantos criminosos psicologicamente afetados passam por mim a todo o momento?

Quem sou eu para julgar alguém? Só não acho justo beber leite sem saber que estou sendo envenenada por uma substância altamente cancerígena e que os responsáveis por adulterar o produto não estavam nem aí com as consequências a longo prazo no organismo dos seus consumidores. Não acho justo usufruir do transporte urbano, que me é de direito, e ser vítima da promiscuidade de certos agressores. Não acho justo sair para a balada achando estar segura dentro de uma casa noturna, quando na verdade o perigo está lá dentro. Não acho justo estas e tantas outras ocorrências devastarem o que se leva uma vida inteira para construir.

Por NATHALIA RUVIARO, Jonalista
Santa Maria, 11 de Maio de 2013
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Comecei a envelhecer..

Quando se é jovem, a morte é um desafio. A juventude é o momento em que vivemos com maior intensidade toda e qualquer situação. Achamos que podemos tudo e que nada de ruim pode nos acontecer. Hormônios em ebulição e um sentimento permanente de ser um super homem, ou então uma super mulher. E realmente, nada de ruim pode mesmo nos acontecer?

Crer que algo nunca vai acontecer conosco é uma fuga pertencente não só aos jovens, como a qualquer um de nós. Seria doloroso demais viver pensando que a dor ao lado poderia ser a sua dor, que o problema do vizinho poderia ser o seu problema. Quem vive assim, não vive,transcorre seus dias com medos e anseios. Qual jovem pensa em sua finitude? Envelhecer parece estar tão distante. Então, quando começamos a perceber que estamos ficando velhos?

Comecei a envelhecer, quando percebi que tudo na vida tem início, meio e fim. O medo de ficar velha me envelheceu. Comecei a envelhecer quando hoje, aos 22 anos, conto regressivamente 8 para os 30.Comecei a envelhecer quando os meus sonhos mudaram de forma, eles ainda permanecem os mesmos, mas agora vistos sob um outro ponto de vista.Comecei a envelhecer quando deixei de ver o mundo com os olhos inocentes de uma criança.Comecei a envelhecer não quando sofri por amor,mas quando superei essa fase.Comecei a envelhecer quando descobri um novo olhar para o mundo. Comecei a envelhecer quando percebi que festas de casamentos me emocionavam a ponto de conseguir me imaginar vestida de noiva e que este meu futuro já está quase presente.

Aliás, por que as pessoas choram em casamentos? Até mesmo os moderninhos que acreditam que a individualidade é a palavra do momento, transbordam-se. Por quê? É simples, por algum motivo em algum momento, mesmo que muito remoto, todos idealizaram este momento em suas vidas. Comecei a envelhecer quando ao olhar nos olhos de uma criança, me vi tomada de um desejo incondicional pela maternidade. Envelheci quando me olhei no espelho e me enxerguei mulher. Envelheci quando novamente me olhei no espelho e pude ver que aquela menina ainda existia dentro de mim. Não conoto a palavra velho(a) de forma negativa, muito pelo contrário, nunca foi tão bom envelhecer. Comecei a envelhecer...

Por NATHALIA RUVIARO, Jonalista
Santa Maria, 19 de Fevereiro de 2013
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FILHOS DA CONSTERNAÇÃO

Eram vinte e duas horas da noite de vinte e oito de janeiro de dois mil e treze, quando uma nuvem negra que pairava sobre a cidade de Santa Maria deu espaço a uma nuvem branca de paz , amor e respeito eterno as vítimas do incêndio da Boate Kiss. A nuvem branca era composta por aproximadamente 35 mil pessoas, que em uma marcha silenciosa, prestavam as suas últimas homenagens. A população cantou o hino rio-grandense e soltou 231 balões brancos, cada balão representava um vítima do desastre. O clima era de comoção geral, mesmo após dois quarteirões de distância da boate era possível sentir o cheiro sufocante de queimado. A lua estava cheia, o céu estava limpo e apesar da quantidade de pessoas nas ruas e de ter quase toda a imprensa nacional e internacional ali, o silêncio era absoluto, angustiante e só era quebrado pelos momentos das salvas de palmas. E eu não consigo achar palavras que descrevam o que nós, filhos da consternação, vivemos juntos nestes dias em nossa cidade. A cada hora chegam histórias e mais histórias das vítimas, mensagens deixadas antes da morte, palavras ditas nos últimos minutos, ligações recebidas e mensagens deixadas nas caixas postais. Pais que perderam seus filhos, pais que tentaram de todo jeito entrar no local para salvá-los, jovens que com o ingresso na mão, por algum motivo deixaram de ir à balada naquela noite. Jamais poderei esquecer aquela madrugada do dia 27 de janeiro de 2013 em que os telefones não paravam de tocar e nós desesperados em busca de notícias de parentes e amigos, tentávamos achar forças para acreditar. A dor de enterrar o nosso povo é imensurável e junto a ela, o pavor das imagens que não saem de nossas cabeças. Por algum motivo, felizmente eu, meus familiares e meus amigos não estávamos lá, mas justamente por já ter frequentado a Kiss o pavor que me refiro, reproduzia em nossa mente imagens do desespero, da busca pela salvação, do instinto animal que nas horas do “salve-se quem puder” é inevitável. Ninguém, dos próximos a mim, conseguiu dormir nas noites que se passaram, era possível ouvir os gritos de desespero e a sensação inexplicável de saber que todos já estivemos lá e que as vítimas eram jovens como nós e só queriam a diversão. Hoje parei por alguns momentos e fiz orações para que todas as famílias afetadas por esta tragédia sejam acalentadas, rezei para que as almas dos que se foram sejam recebidas com amor e cuidado onde estiverem. Mas, principalmente, rezei em agradecimento por estar viva, por ter meus familiares vivos e meus amigos vivos. Felizmente eles estão todos comigo e estão fisicamente bem, apesar de estarmos todos devastados pelos nossos conhecidos e pelo nosso povo. Eu e todos os outros habitantes da nossa cidade estamos tomados de dor e uma dor que não sabemos quando vai nos deixar, consternados vamos aos poucos tentando sobreviver a tudo que ocorreu aqui. A todos os pais, irmãos e familiares que perderam os seus, sintam-se profundamente abraçados pela nossa cidade. Um obrigada muito especial aos meus amigos e parentes frequentadores da boate por não terem ido até a Kiss naquela noite. E a você, minha querida Santa Maria, força! Apesar de toda a dor que tomou conta do nosso céu azul, me orgulho em saber que nasci em uma cidade tão solidária. Por NATHALIA RUVIARO, Jornalista

Santa Maria, 28 de janeiro de 2013


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Carta de últimas notícias sobre a tragédia da Boate Kiss:

Acabo de chegar do ginásio do CDM (Centro Desportivo Municipal), os últimos corpos já haviam sido identificados. A mobilização era grande, o trânsito em Santa Maria lembrava o caos paulista diário, porém um silêncio perdurava as ruas e tornava o cenário ainda mais assustador. Era possível ver nos olhos de todos que a maioria dos presentes não tinha ( e talvez ainda não tenha) real consciência do acontecido, " a ficha não caiu", nem mesmo eu tenho certeza se tenho noção de tudo que aconteceu em minha cidade hoje. Meu plantão começou na madrugada de hoje, não consegui mais pregar o olho e nem sei quando conseguirei dormir novamente, estou com o coração devastado. Os médicos que conseguiram me dar algum depoimento declararam que no final da tarde alguns dos pacientes que foram liberados durante a manhã ainda passando bem, estavam retornando ao hospital com problemas respiratórios causados pela inalação da fumaça.Está acontecendo o que os médicos costumam chamar de "Pneumonia Química", as intoxicações começam a apresentar sintomas e infelizmente a expectativa é que durante o decorrer dos próximos dias, grande parte das vítimas ainda com vida venham a óbito, por isso ainda não se pode dizer o número exato de vítimas desta tragédia. Aos escutar as pessoas, percebo a imensa necessidade que elas tem de entender a razão disso tudo, buscam na fé a explicação para a morte de tantas pessoas e tentam descobrir qual será a lição disso tudo.Lição? Não sei se existe lição, mas existe sim um marco na história, Santa Maria apesar de toda a tragédia mostrou-se de coração aberto, as demonstrações de solidariedade emocionavam cada cidadão que presenciava aqueles momentos dolorosos, fomos capazes ali de mostrar que tudo aquilo que é dito no hino da nossa terra é a mais pura verdade. Foi surpreendente também saber que os médicos foram excepcionais em seu trabalho, ninguém ficou sem atendimento apesar de todo o caos que percorria os hospitais da cidade e da região, nossos médicos cumpriram seus juramentos e na medida que puderam, salvaram o nosso povo.
Por Nathalia Ruviaro

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UMA LOUCA VIDA DE ATRIZ

De todos os lugares que passei
Quase todos me lembro bem
De todos lugares que morei
Amigos fiz e inimigos também
Para cada seis amizades que fiz
uma inimizade criei
Curti cada canto dessas cidades
Vivi a cultura de cada povo
Conheci gente honesta e batalhadora
E gente imunda , hipócrita, sem escrúpulos e devedora
Vivi com pessoas alegres, felizes e que enxergavam sempre o lado positivo da vida
Mas também vivi com gente que deixou em algum lugar e por algum motivo o brilho e a musicalidade da trilha da vida
Me pintei no rosto de cada pessoa que conheci
E fui pintada no coração de quem me amou
Amei e fui amada, odiei e fui odiada
Subi em palcos e cheguei ao êxtase da minha carreira
Mas também subi em palcos e fracassei..
Fiz escolhas erradas, mas em muitas acertei
Aonde quer que eu vá, não paro de rodar
Rodo e me perco, rodo e me encontro
Não gosto de parar, adoro viajar, adoro me mudar
Tem muitos lugares que quero conhecer e tantos outros que quero morar
Quero trabalhar, viajar e me realizar...
Quero uma casa, um marido e filhos pra criar
Quero principalmente saúde, mas também sucesso,felicidade e dinheiro para gozar
O que vivi até aqui,tá guardado nos álbuns,recordações e na memória
Tudo bem organizado e devidamente em seu lugar.

Poema escrito por Nathalia Ruviaro

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